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O amor nunca morre de morte natural. Añais Nin
estava certa.
Morre porque o matamos ou o deixamos morrer.
Morre envenenado pela angústia. Morre
enforcado pelo abraço. Morre esfaqueado pelas costas. Morre eletrocutado pela
sinceridade. Morre atropelado pela grosseria. Morre sufocado pela desavença.
Mortes patéticas, cruéis, sem obituário e
missa de sétimo dia.
Mortes sem sangramento. Lavadas. Com os ossos
e as lembranças deslocados.
O amor não morre de velhice, em paz com a cama
e com a fortuna dos dedos.
Morre com um beijo dado sem ênfase. Um dia
morno. Uma indiferença. Uma conversa surda. Morre porque queremos que morra.
Decidimos que ele está morto. Facilitamos seu estremecimento.
[...] Repassei os olhos pelos meus namoros e
casamentos. Permiti que o amor morresse. Eu o vi indo para o mar de noite e não
socorri. Eu vi que ele poderia escorregar dos andares da memória e não apressei
o corrimão. Não avisei o amor no primeiro sinal de fraqueza. No primeiro
acidente. Aceitei que desmoronasse, não levantei as ruínas sobre o passado. Fui
orgulhoso e não me arrependi. Meu orgulho não salvou ninguém. O orgulho não
salva, o orgulho coleciona mortos.
[...] O amor é perigoso para quem não resolveu seus
problemas. O amor delata, o amor incomoda, o amor ofende, fala as coisas mais
extraordinárias sem recuar. O amor é a boca suja. O amor repetirá na cozinha o
que foi contado em segredo no quarto. O amor vai abrir o assoalho, o porão
proibido, fazer faxina em sua casa. Colocar fora o que precisava, reintegrar ao
armário o que temia rever.
Fabrício Carpinejar
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