Muitas situações provocam
estranhamento, e uma das mais inquietantes é entrar no apartamento de um
vizinho de prédio. Está ali a mesma sala, do mesmo tamanho que a sua, com a
mesma orientação solar, a mesma disposição das paredes, a mesma cozinha, os
mesmos quartos e banheiros - mas nada, nada é o mesmo.
A parede que na sua casa é cor de
marfim, na do vizinho está pintada de vermelho, o que muda a atmosfera do
ambiente, faz com que pareça menor. Você, que adora plantas e coleciona
bugigangas trazidas de viagens, entra cautelosa naquele apartamento gêmeo ao
seu, porém totalmente despojado de humanidade, mais parece um showroom. Onde
você tem um aparador lotado de porta-retratos, o vizinho colocou um espelho do
teto ao chão.[...]
[...] Apartamento de vizinho causa
desconforto porque inevitavelmente será mais bem cuidado ou mais desleixado que
o seu, mais escuro ou mais claro, mais atraente ou mais insosso. A disposição
dos móveis parece incorreta, tudo sugere uma grande transgressão, e você não se
sente acolhido, tem vontade de sair correndo daquele lugar que foi concebido de
um jeito estranho a fim de conforntar você. É isso. O apartamento do vizinho
lembra que há outras formas de viver, enquanto você achava que só havia uma: a
sua.
Cada um de nós concebe a vida de uma
determinada forma, decora a seu modo os dias e noites, colore suas paixões com
suavidade ou desespero, dá um revestimento aos seus traumas ou os deixa a nu,
expõe suas esquisitices ou as joga para baixo do tapete. Cada um de nós recebe
o mesmo espaço para existir e o arranja, inventa, traduz, transforma e recria
de acordo com uma identidade que será sempre única, particular.
Quando você
tiver um ataque de petulância e achar que só o seu jeito de viver é que é
certo, dê um pulo no apartamento do vizinho. E assombre-se com a quantidade de
novos mundos que existem nas portas ao lado.
Martha Medeiros
Fonte: Martha Medeiros, Facebook
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