A infância, quando os outros são grandes e nós
pequenos, é lugar de proteção, mas também de submissão, passividade,
medos. O mundo dos pequenos é uma massa escura que não enfrentamos sem uma
mão para segurar. Não é fácil lembrar disso. Tornamo-nos fortes e grandes
graças ao exílio desse planeta natal da fragilidade. Só ficamos
"super" porque crescemos.
Ao voltar à casa dos pais, mesmo velhinhos, sentimos
a sensação de que lá o tempo congelou. Perdemos os bons modos, catamos no
prato, distraímo-nos ao som da voz da mãe, testamos a força do pai, ficamos
irritadiços, por vezes irreconhecíveis.
Os lugares do passado são magnéticos, atraem à
superfície fragmentos, cacos sobreviventes de outras eras. Atravessar a porta
familiar dessa casa é como a queda de Alice no assustador País das
Maravilhas. Não é porta, é portal, do outro lado esperam memórias que nos
tomam de assalto. Assombrados pelos nossos outros "eus" do passado,
descobrimo-nos, como Alice, viajantes surpresos num país de pesadelos, dentro
de um corpo que encolhe, espicha e nunca nos abriga direito.
Faz diferença como encaramos e como nos contamos as
experiências que vivemos, a mesma história pode ser enquadrada por diversas
lentes. Mas nem tudo pode ser posteriormente resgatado, sempre há restos,
alguma pedrinha nociva que incomoda. O passado é esse planeta natal, fonte de
nossa força e vulnerabilidade.
Diana Corso. psicanalista.
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