Invejo
quem não tem celular. Existem e são admiráveis. São poucos. Estão em extinção.
Quando precisam falar com alguém, ligam de um fixo. Admiro pessoas que ligam do
fixo. São econômicas. Sem contar que a ligação é clara e não cai.
Invejo
quem não tem carro, nem carta ou carteira de motorista. Vai a lugares a pé, usa
"condução" ou bicicleta, e volta de carona ou racha um táxi. Nunca
soprou num bafômetro. Não estão em extinção. Negam a revolução industrial. São
pessoas mais econômicas e descomplicadas. Talvez por isso, mais felizes.
E invejo
quem não está no Face, Twitter, Insta, Linkedin, G+, WhatsApp, em lugar nenhum:
o que não existe virtualmente, nunca "teve" Orkut nem sabe o que é o
extinto MSN. Caminham, olham o nada ou algo sem a urgência de um registro
fotográfico ou um comentário, uma curtida, uma postagem. Mandam cartas e
cartões-postais escritos à mão.
Sim, existe gente que não se comunica, nem curte, nem posta. Não critica, nem milita, nem lamenta a morte de um ídolo para amigos, conhecidos, seguidores desconhecidos e amigos de amigos. Não se indigna, não se revolta, não se mostra. Não mostra seus gatos, seus pratos, sua mãe no dia delas. Nem relata suas viagens. Não pensa, não expõe, não se exibe para centenas ou milhares de pessoas. Logo, não existe? Nem o pôr do sol retrata. Nem a lua tem o seu momento. O que dirá de um nascer do sol? Existe?
Pensar que
há dez anos não existiam redes sociais. Há 20, a internet não era
regulamentada, nem existia o consórcio W3C (World Wide Web Consortium). Há 30,
não tinha celular nem computador pessoal no Brasil. A maioria não tinha
telefone nem máquina fotográfica.
[...] Éramos
mais discretos. Menos ansiosos. Não precisávamos da aprovação alheia. Não
precisávamos chamar tanta atenção, nem criar a ilusão de que somos melhores do
que somos. Somente éramos.
Marcelo Rubens Paiva
Fonte: Estadão/Cultura
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