Meu pai era um obcecado
por retidão, palavra, ética, pontualidade, honestidade, código de conduta,
escala de valores e outros termos que eram repetitiva e exaustivamente martelados na
minha cabeça. Deu certo. Quer dizer, não sei. No Brasil atual, eu me sinto
deslocado.
[...] Até hoje chego pontualmente aos meus compromissos, e na maioria das
vezes fico esperando por interlocutores que se atrasam e nem se desculpam. Até
hoje acredito quando um prestador de serviço promete entregar o trabalho em uma
data, apenas para ficar exasperado pelo seu atraso, “veja bem”, “imprevistos
acontecem” etc. Fico revoltado sempre que pego um táxi em cidade que não
conheço e o motorista tenta me roubar. Detesto os colegas de trabalho que fazem
corpo mole, que arranjam um jeitinho de fazer menos que o devido. Isso sem
falar nas quase úlceras que me surgem ao ler o noticiário e saber que entre os
governantes viceja um grupo de imorais que roubam com criatividade e
desfaçatez.
[...] Assim é que, criando filhos brasileiros morando no Brasil, estou às
voltas com um deprimente dilema. será que o melhor que poderia fazer para
preparar meus filhos para viver no Brasil seria não aprisioná-los na cela da
consciência, do diálogo consigo mesmos, da preocupação com a integridade? Tolerar
algumas mentiras, não me importar com atrasos, não insistir para que não colem
na escola, não instruir para que devolvam o troco recebido a mais...
Em última análise, decidi dar a meus filhos a
mesma educação que recebi de meu pai. Não porque ache que eles serão mais
felizes assim - pelo contrário -, nem porque acredite que, no fim, o bem
compensa. Mas sim porque, em primeiro lugar, não conseguiria conviver comigo
mesmo, e com a memória de meu pai, se criasse meus filhos para serem pessoas do
tipo que ele me ensinou a desprezar. E, segundo, tentando um esboço de resposta
mais lógica, porque sociedades e culturas mudam. Muitos dos países hoje
desenvolvidos e honestos eram antros de corrupção e sordidez 100 anos atrás. Um
dia o Brasil há de seguir o mesmo caminho, e aí a retidão que espero inculcar
em meus filhos (e meus filhos em seus filhos) há de ser uma vantagem, e não um
fardo. Oxalá.
Gustavo Ioschpe, revista Veja.
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