Conviver é enfrentar o pior dos inimigos, o
insidioso, o silencioso, o sempre à espreita, o incansável: o tédio, o
desencanto, esse inimigo de dois rostos.
Passada a primeira fase de paixão (desculpem, mas ela
passa, o que não significa tédio nem fim de tesão), a gente começa a amar de
outro jeito. Ou a amar melhor; ou, aí é que a gente começa a amar. A querer
bem; a apreciar; a respeitar; a valorizar; a mimar; a sentir falta; a conceder
espaço; a querer que o outro cresça e não fique grudado na gente.
O cotidiano baixa sobre qualquer relação e qualquer
vida, com a poeira do desencanto e do cansaço, do tédio. A conta a pagar, a
empregada que não veio, o filho doente, a filha complicada, a mãe com
Alzheimer, o pai deprimido ou simplesmente o emprego sem graça e o patrão de
mau humor.
E a gente explode e quer matar e morrer, quando cai
aquela última gota – pode ser uma trivialíssima gota – e nos damos conta: nada
mais é como era no começo.
Nada foi como eu esperava. Não sei se quero continuar
assim, mas também não sei o que fazer. Como a gente não desiste fácil, porque
afinal somos guerreiros ou nem estaríamos mais aqui, e também porque há os
filhos, os compromissos, a casa, a grana e até ainda o afeto, é preciso
inventar um jeito de recomeçar, reconstruir.
Na verdade devia-se reconstruir todos os dias. Usar
da criatividade numa relação. O problema é que, quando se fala em criatividade
numa relação, a maioria pensa logo em inovações no sexo, mas transar é o
resultado, não o meio. Um amigo disse no aniversário de sua mulher uma das
coisas mais belas que ouvi: “Todos os dias de nosso casamento (de uns 40 anos),
eu te escolhi de novo como minha mulher”.
Mas primeiro teríamos de nos escolher a nós mesmos
diariamente. Ao menos de vez em quando sentar na cama ao acordar, pensar: como
anda a minha vida? Quero continuar vivendo assim? Se não quero, o que posso
fazer para melhorar? Quase sempre há coisas a melhorar, e quase sempre podem
ser melhoradas. Ainda que seja algo bem simples; ainda que seja mais
complicado, como realizar o velho sonho de estudar, de abrir uma loja, de fazer
uma viagem, de mudar de profissão.
Viver é um heroísmo, viver bem um amor mais ainda. O
casal perfeito talvez seja aquele que não desiste de correr atrás do sonho de
que, apesar dos pesares, a gente, a cada dia, se escolheria novamente, e amém.
Lya Luft em: "O Casal Perfeito"
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